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Os três ultimos filhos de ‘seu’ Nordeste* – Fragmentos do Artigo do jornalista Pádua Marques

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Ceará. Esse é o mais afoito e viajado de todos os filhos de “seu” Nordeste. Passou por poucas e boas no passado e, certo que alguns de seus filhos ainda passam por necessidade de vez em quando. Mas Ceará já correu o mundo inteiro. Conhece do Pólo Norte ao Pólo Sul. Tem fama de bom comerciante e agora deu para aplicar o dinheiro ganho no turismo. E tem dado certo. O menino está de cabelo limpo.
Mas como é natural e assim como dizia minha santa mãe, os dedos das mãos não são iguais. E nem poderiam ser. Os dois filhos de “seu” Nordeste que vivem na maior penúria, Piauí e Maranhão, moram no final da rua. Chamar aquilo de rua é como se diz, força de expressão. Na verdade tudo aquilo é um imenso terreno sem tamanho, de tão grande que é.
O primeiro dos dois, Piauí, nunca teve quem lhe desse um dia de trabalho. Também nunca foi muito de procurar ter uma ocupação. O mais que fez foi ter se iludido no passado com uns estrangeiros que andaram por aqui. Gente que tirou dele o pouco que tinha e depois foi embora deixando o pobre mais pobre ainda. E é desse jeito que vive até hoje o Piauí, filho de “seu” Nordeste. Praticamente vive de uma aposentadoria arranjada.
Os filhos, ao contrário dos filhos de seus irmãos, pouco ou nunca se destacaram em nada que fosse. Vive endividado correndo atrás de agiota. Pobre Piauí, filho de “seu” Nordeste! Tem passado é baixo de uns anos para cá. Mas não tem a quem culpar pela sina de ser um dos dois mais pobres. Foi de nunca ter tido muita iniciativa. Sempre andou empurrado. Agora está do jeito que está.
E por fim vem Maranhão, o último dos filhos de “seu” Nordeste. Também o último morador da rua. Pouco fez e pouco faz pra sair da miséria em que vive. Ele e os filhos. Dá pra ver pela cara dos filhos, principalmente as crianças.
Dá pra ver todas elas passando todo tipo de necessidade. Os filhos de Maranhão e netos de “seu” Nordeste não têm escola que preste e nem tem aonde procurar saúde quando ficam doentes. E o que se vê é esta situação de abandono e de miséria dentro de uma família tão grande como a desse velho de cabeça branca, pele enrugada, pés dentro de chinelo de couro cru e vestido com uma camisa de tecido barato. Velho que nesta altura da vida tem de regatear até água do pote e de tomar banho porque senão há de fazer falta.
Aonde já se viu uma coisa dessas? Em que situação, em que ponto da vida chegamos?
E numa tarde dessas, me lembro como se fosse hoje, depois de um dia de sol quente, entre triste e envergonhado, “seu” Nordeste, sentado como de costume na cadeira de plástico na calçada, rodeado por alguns dos netos e vendo passar pra missa das seis aquela ruma de velhas desdentadas puxando pela mão uns meninos magrinhos, disse dos filhos mais sofridos aquilo que um pai nunca deveria e nem gostaria de falar:
- Estes dois últimos não deram pra nada…

* Fragmento do Artigo  "Os nove filhos de ‘seu’ Nordeste", escrito pelo jornalista e escritor Antônio de Pádua Marques.
Fonte: Jornal impresso O PIAGUÍ CULTURALISTA, ano VI, nº 69 - julho 2013. Parnaíba- PI.