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O que foi dito bêbado foi pensado sóbrio - Graça Taguti

Ah, quantos de nós temos coragem de traduzir em palavras as explosões de afeto, fúria ou ódio, claramente estampadas em nossos olhos. Quantos de nós se escondem atrás dos véus da conveniência, ardilosas maquiagens, máscaras de bem-se-relacionar no cotidiano, guardando tudo o que nos ameaça ou fragiliza no quarto escuro de emoções cansadas, amassadas e contraditórias.

Francamente. Quase não há espaço para o amor e a ternura se acomodarem junto ao medo, a insegurança e a frieza, pois o quarto é diminuto — do tamanho de uma solitária prisional. Nele se empilham sentimentos opostos, paradoxos da alma.

A dor e a ternura se acotovelam, exaustas. Durante os dias inteiros de nossa existência, esses, dentre tantos outros sentimentos aglomerados no escuro e sujo cubículo, se empurram, pisoteiam, à cata de algumas moléculas de oxigênio que tragam um pouco de paz e conforto aos nossos conturbados corações.

Às vezes nos drogamos. Diante da tevê, por exemplo, nos esvaziamos de quaisquer convicções e competências críticas. Amortecemos vontades, iniciativas, indagações. Matamos o líder que em nós se contorce, em prol de ovelhas passivas e tristes, que pastoreiam livremente em nosso embotado cérebro.

Despendemos imensurável tempo lendo revistas sobre celebridades, escutando maledicências da vizinha, lendo jornais sensacionalistas. Também nos dedicamos com ardor às redes sociais, construindo aí inúmeros perfis sedutores, que costumam sair bem na foto.
Incorporamos à nossa pele papéis desgastados de salvadores, vítimas, benfeitores ou revolucionários. Sempre visando causar impacto. Impressionar nossa atordoada rede de famintos seguidores. Zumbis do social media. Abdicamos conscientemente das noções de espaço, tempo e conveniência. Optamos por drogas leves ou pesadas. Alucinógenos da moda, distribuídos em festinhas, shows e noitadas.

O que foi dito bêbado foi pensado sóbrio. A declaração de amor asfixiada na garganta. O deboche, a ironia e o cinismo encapsulados, obstruindo alguma artéria falida do nosso estressado corpo.

Falar o que se pensa de cara limpa, normalmente está fora de cogitação. Faz mal ao ego, às vaidades torpes, à assumida prevalência que ostentamos uns sobre os outros.

A vida é tanta e corre tão disseminada por nossa pele, veias e sentidos, despejando, imparcialmente, horrores e belezas únicas por nosso tortuoso destino.

Mal conseguimos divisar flores raras, pássaros belíssimos em extinção, paisagens mágicas, caminhos largos e ensolarados.

Paixões tidas como mortas ou desfalecidas reacendem com vigor, ameaçando nos queimar a língua e afoguear o rosto.

É preciso estar atento e forte para conversar com a vida, sem escondê-la das imensas demandas e os legítimos anseios que pulsam sem pudor da cabeça aos pés.
O que foi dito bêbado foi pensado sóbrio. Então, aguentemos a ressaca passar, neste momento ainda emaranhado em tantos sentimentos e emoções.

Espera-se de nós, mesmo que teimemos em fechar os olhos, janelas abertas, ventos refrescantes, sorrisos plenos de verdade.

Isso é o que importa para que a felicidade, hoje tão andarilha, encontre de novo morada e aconchego em nossa boca.

Professora e escritora. 
FONTE: Revista Bula


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