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Artigo | Aluá... - Pádua Marques


Neste finalzinho de junho, mês de Santo Antonio, São João e São Pedro, minha irmã cozinheira resolveu depois de três anos de recesso fazer aluá, conforme tradição de nossa casa de Parnaíba. Aluá aqui em casa tem de se fazer em pote bem grande, coisa acima de vinte litros. Que é pra se beber até ficar de bucho quebrado. Isso sem contar nas cortesias pra alguns amigos de tempos passados e outros curiosos porque ouviram falar da tal bebida e querem experimentar.

E no dia de São Pedro, o santo que fecha o mês junino com suas boas festas, lá estamos nós de casa nos empanturrando de aluá, bolo de milho e de goma como se fazia nos bons tempos quando mamãe era viva. Tem gente, esse pessoal de hoje metido a ser americano, que arrenega só de ouvir falar de aluá, assim como quem foge com medo do cão! Dizem que fede a coisa podre, a esgoto e a vômito de menino. Realmente não é bebida pra qualquer bico.

Aluá é bebida da mais alta tradição. É uma verdadeira ciência, o seu preparo. Bem que deveria ser tese de doutorado nesses cursos superiores pelo Nordeste, assim como a tapioca, a farinha de puba, o bolo frito, o guisado de tatu, o beiju, a farinhada. É no meu entendimento uma forma de levar pra universidade a riqueza de nossas raízes. Hoje poucas cabeças ainda conseguem lembrar a fórmula, a receita de preparo. Coisa de guardar debaixo de sete chaves. Fórmula secreta, uma alquimia. Mês de junho e casa que não tenha aluá nem me convidem!

Iniciei tomando aluá mandado de cortesia da casa de dona Tomásia, uma negra doceira afamada na rua James Clark, mulher de João Surubaca, ele descendente e representante mais ocidental da dinastia dos Macaés, do Catanduvas. Depois minha mãe deu pra fazer mesmo em casa. Aluá é bicho cheio de nove horas pra se fazer. Vou aqui contar por alto como é o preparo. Pra um pote de vinte litros a gente tem de torrar uns três quilos de milho seco. Não pode deixar o milho virar pipoca!

Depois quebra no pilão. Despeja no pote com a água acrescentando uns dentes de gengibre amassados, cravinho e uma porção de farinha amarrada numa espécie de trouxinha. Esta farinha é pra azedar a bebida. Tem região no Nordeste onde se usa o pão dormido. Depois de uns três dias quando se começa a sentir um cheiro de azedo a gente acrescenta a rapadura, umas vinte e das pequenas. Mas antes, enquanto o pote está coberto não é nem pra se passar perto. Se mexer antes do tempo desanda tudo.

Nesse tempo o aluá é retirado do pote, separado daquela espécie de cascalho de milho e se coloca em garrafas, enfim nas vasilhas menores. A gente pode beber natural ou gelado. Eu não posso passar um São João que seja sem beber aluá. É igual russo por vodca, o italiano por macarronada e o português pelo bacalhau. E a gente, não eu, tem essa vergonha de exibir nossa culinária, nossa bebida, nossa cachaça, porque acha que é coisa de gente do mato. Como se todo mundo aqui tivesse nascido na Suíça!

*Pádua Marques é Jornalista e Escritor. Ocupa a cadeira 24 da Academia Parnaibana de Letras.






Segunda parte da postagem



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