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Quem matou Mandu Ladino? | por João Bosco Gaspar


Não existe honra alguma em assassinar uma pessoa. A pecha de “matador” é o conceito mais vil que permeia a sociedade. Entretanto, existe um princípio jurídico que diz: “Suum Cuique Tribuere”, ou seja, “a cada um o que é seu”. Com a História não é diferente... devemos atribuir a cada um, o fruto dos seus atos. Com relação a morte do líder indígena Mandu Ladino, ocorrida na segunda década do século XVIII, o que dizem as fontes primárias e secundárias? Por incrível que pareça, os principais historiadores que tratam sobre Mandu Ladino são estrangeiros: o britânico, Charles Ralph Boxer, o canadense John Hemming e a portuguesa Virgínia Rau. Virgínia Rau diz que: “Até [o ano de] 1700 estivera sossegado o gentio vizinho da aldeia da serra da Ibiapaba, porque os padres tinham feito as pazes com os tapuias, que todos os anos as vinham renovar à aldeia. Viera perturbar este estado, o desatino duma tropa do Ceará. Ordenando el-Rei de Portugal ao capitão-mor do Ceará que mandasse sondar a barra do rio Parnaíba, recomendando que a tropa não ofendesse o gentio e apenas se defendesse se fosse atacada, enviara o capitão-mor [do Ceará] Francisco Gil Ribeiro, 700 homens, dando-lhes por cabo o coronel Leonardo de Sá [irmão do ex-governador do Ceará, Sebastião de Sá], a quem ordenara que fizesse toda a diligência por trazer alguns cativos. Descobrira a tropa o resto dos tapuias chamados Vidais e, perseguindo-os, encontraram-nos, matando e cativando muitos e entre eles a mulher do seu principal (...). Os que escaparam, foram imediatamente à ribeira de Piracuruca, vingando-se nos moradores e fazendo grande estrago nas suas fazendas” [01]. Na exposição que o padre Antônio de Sousa Leal fez ao Rei de Portugal, consta que: “Em 1708, depois de muitas guerras, Antônio da Cunha Soto-Maior fizera a paz com os que ainda restavam destes tapuias, exceptuados os Anapuruassus (...). [Que] os soldados do Maranhão tiravam-lhes as mulheres e filhas, e tratavam-nos como escravos, sem qualquer recompensa. Além disto, enforcara quatro ou cinco Arayos, desterrara e mandara matar outros, entre os quais uma irmã do Mandu Ladino e o seu marido” [01]. Charles R. Boxer informa que: “Em 1712-13, quando uma revolta geral dos <<tapuias do norte>> envolveu não só muitos dos que tinham sido anteriormente dominados naquela região, mas numerosas tribos dos distritos fronteiriços do Maranhão e Ceará. Dois destacamentos grandes e bem armados, compostos de moradores e soldados, foram feitos em pedaços pelos selvagens, cujo perigoso chefe era um ex-convertido dos jesuítas, chamado Mandu Ladino. Existiam 400 sítios naquela região quando a revolta começou, e mais de uma quarta parte deles foi destruída ou teve de ser evacuada. Depois de muitos combates, Mandu Ladino foi morto e a retaguarda da revolta abatida, embora alguns pontos de resistência permanecessem em distritos mais remotos durante vários anos. A extinção da revolta foi devida, em grande parte, à lealdade dos índios da missão jesuíta da Serra de lbiapaba, no Ceará, que se mostraram muito mais eficazes do que os brancos nos combates dentro dos matagais. Bernardo Carvalho [mestre de campo do Maranhão e Piauhy] estava ansioso para que aqueles índios fossem separados da capitania do Ceará e incluídos no Estado do Maranhão, mas tal sugestão encontrou forte resistência por parte dos missionários jesuítas e dos moradores do Ceará” [02]. 


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John Hemming, informa que: “Em junho de 1712 todas as tribos assentadas no acampamento de Soto-Maior, com exceção de duas, se rebelaram, mataram o comandante [Soto-Maior] e a maioria de seus oficiais, vinte soldados e alguns criadores de gado (...). A revolta foi comandada por Mandu Ladino (...). Os quatrocentos homens de Mandu Ladino se apoderaram de trezentas armas de fogo e de munição, e sua rebelião espalhou-se pelo Piauí e Ceará (...). Em 1718 o Conselho Colonial em Lisboa manifestou sérias preocupações com as guerras empreendidas por Mandu Ladino que se travavam no Maranhão, Piauí e Ceará (...). Afinal foram outros índios que derrotaram Mandu Ladino. Os tabajaras da serra da Ibiapaba, que tinham estado sob a influência dos jesuítas desde a partida dos holandeses, eram tupis e tradicionais inimigos dos tapuias que viviam mais além. Os tabajaras, comandados pelo cacique Dom Jacó de Sousa e Castro, avançaram contra os tapuias sem a companhia de quaisquer brancos, que constituíam um embaraço para eles nas florestas” [03]. De fato, a morte de Mandu Ladino, ocorrida antes de novembro de 1719, deu-se pelas armas dos tabajaras da Ibiapaba, capitania do Ceará, justamente no período em que o mestre de campo Bernardo Carvalho de Aguiar, estava ausente do Piauí. Vejamos o que diz o padre João Guedes, contemporâneo daqueles fatos: “Que se podia guerrear os tapuias revoltados sem mestres-de-campo nem arraiais, provavam-no as cinco grandes vitórias que tinham tido os índios da serra da Ibiapaba, nos dois anos em que o citado mestre-de-campo [Bernardo Carvalho de Aguiar] estivera ausente do Piauí” [01]. A narrativa coesa desses três grandes historiadores, encontra respaldo nas palavras do Rei de Portugal, Dom João V, sobretudo nas três cartas-patente concedidas aos principais índios da serra da Ibiapaba, com o hábito de Cavaleiros da Ordem de Santiago: Dom José de Vasconcelos, Dom Felipe de Sousa e Castro e Dom Sebastião Saraiva Coutinho. Na carta concedida a Dom Felipe de Sousa e Castro (e nas demais), consta que tal mercê foi conferida em virtude da sua participação na luta que tinha: “desenfestado os gentios bárbaros das capitanias do Ceará e Piauhy, alcançando muitas vitórias e ultimamente em que mataram o índio Mandu Ladino, um dos mais cruéis inimigos nossos”. 

[01] Livro “Os Manuscritos do Arquivo da Casa de Cadaval Respeitantes ao Brasil – Volume II”, de Virgínia Rau – Professora da Universidade de Lisboa.
[02] Livro “A Idade do Ouro no Brasil - Dores de crescimento de uma sociedade colonial”, de Charles Ralph Boxer – Professor Emérito da Universidade de Londres.
[03] Livro “Ouro Vermelho – A Conquista dos índios Brasileiros” de John Hemming – Diretor da Royal Geographic Society de Londres.
Créditos da imagem: Correio do Norte.

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