Por ocasião da negociação e do Decreto nº. 3012,
de 22/10/1880, não foram levados em consideração os limites anteriores fixados
pelas sesmarias concedidas por D. João V, através da Carta Régia de 08/01/1697
e nem a carta geográfica de 1761 feita pelo engenheiro e geógrafo Henrique
Antônio Galluzi. Isto é o que leva a deduzir a análise do assunto.
Faltou, provavelmente, por parte das autoridades
piauienses um estudo profundo da matéria. Talvez esta falha se deva a falta de
conhecimento dos documentos. Passaram despercebido dos piauienses os dizeres
contidos no art. 2º da Lei de 1880. Naturalmente na ânsia de resolver a
pendência não se perceberam deste detalhe. Perdeu o Piauí uma grande faixa de
terra do lado esquerdo do rio Timonha, “os campos
gerais que lhe fica da outra parte”, a região
compreendida entre o rio Ubatuba e Timonha, que engloba a Ilha Grande, Ilha da
Clemência, Ilha dos Preás e outras, inclusive
a área onde hoje se encontra a cidade de Chaval (CE).
Referindo-se sobre o acordo firmado entre o Piauí e o Ceará, o historiador F.
A. Pereira da Costa assim escreveu: “Estas considerações se referem a
espoliação de que foi vítima o Piauí da não pequena zona que se estende entre
toda a margem esquerda do rio Timonha, até chegar ao Igaraçu, e que constitui o
termo da vila da Amarração, para depois, anos decorridos, reavê-la, mas em troca
de vasto e riquíssimo território, que constitui uma das mais importantes
comarcas, a de Príncipe Imperial (Crateús), com ubérrimo termo da vila da
Independência”. Verifica-se que Pereira da Costa fala “entre toda a
margem esquerda do rio Timonha” como pertencendo ao Piauí, cuja área foi
astutamente levada pelos cearenses ao considerarem o rio Ubatuba como limite
entre as duas províncias. Esta mudança veio a prejudicar o Piauí quando dos
limites nas vertentes da Serra da Ibiapaba. Para um estudo mais profundo da
questão dos limites, faz-se necessário o conhecimento do Alvará de 18/11/1718
que elevou o Piauí a capitania dependente do Maranhão e da Carta Régia de 29 de
julho de 1758 que deu execução ao Alvará de 1718.
Histórico sobre os Limites do Litoral do Piauí
No início as capitanias de Pernambuco e Maranhão
tinham como divisa a Serra da Ibiapaba. À medida que se foi desbravando a costa
nordestina, no sentido leste/oeste, formaram-se as capitanias do Rio Grande (do
Norte) e a do Seara (Ceará) com terras que pertenciam a capitania de
Pernambuco.
A capitania do Piauí só veio se formar muitos anos depois, quando se deu o
limite com o Maranhão o rio Parnaíba e com o Ceará a Serra da Ibiapaba,
desmembrando-se assim esta faixa de terra da capitania do Maranhão. Não se
justifica dizer que a atual formação geográfica do Piauí deve-se ao povoamento
ter iniciado a partir do sul para o norte. Sabia-se muito bem que além do
Parnaíba era Maranhão e além Ibiapaba era Ceará. A formação geográfica deve-se
exclusivamente as fronteiras que foram criadas.
Com relação ao limite do Piauí com o Ceará, principalmente relacionado ao
litoral, tem-se o seguinte fato: instalada a Capitania São José do Piauí, ficou
a província sem a sua faixa litorânea por ter sido ocupada indevidamente pelos
cearenses que se julgaram donos do que de fato não lhes pertenciam. Cândido
Mendes em “Atlas do Império” informa: “Com o Ceará hé actualmente o córrego
ou igarapé Iguarassu que se lança no braço mais oriental do Rio Parnahyba
chamado também de Igarassu, a Serra Grande ou Ypiapaba, ou pela Provisão,
Decreto, ou Alvará do reinado de D. João VI citado pelo Padre José de Moraes na
sua História da Companhia de Jesus, Liv.I, Cap. I, pág. 15, ficando
esse limite 3º15’ ...”. Verifica-se claramente nesse documento a divisa
com estado vizinho o rio Igaraçu e a Serra da Ibiapaba.
Questionou-se que o território desde ao norte de Amarração (Luiz Correia) até a
barra do rio Timonha pertenceu ao Piauí. O argumento tem por base a Carta Régia
de 08/01/1697, dirigida ao governador de Pernambuco, Caetano de Melo e Castro,
mandando fundar no Ceará um hospício para assistência dos padres jesuítas,
encarregados das missões indígenas e concedendo terras (sesmarias) aos índios
junto da costa litorânea: “Tendo resolvido que no Ceará se faça um
Hospício para assistirem nele os Padres da Companhia, que têm à sua conta
a missão daqueles sertões, e porque o P. Ascenso Gago avisa ser conveniente
situarem-se aos Índios em Aldeias pela costa, que dista do Ceará ao Maranhão
duzentas légua, e se lhe deem de sesmarias as terras, que ficam desde a barra
do Aracati-Mirim até a barra do Rio Temona, cortando
desde as barras dos ditos rios rumo direito para a Serra da Ibiapaba,
entrando na sesmaria tudo o que os rumos apanharem da Serra até entestar com os
Campos Gerais que lhe ficam da outra parte, mando ao Governador que assim o
faça e dê ajuda aos Padres e gentio para que se movam os mais abraçarem a nossa
amizade”. (o negrito é nosso).
Anteriormente o padre Ascenço Gago em carta datada de 10 de outubro de 1695,
dirigida ao padre Alexandre de Gusmão, Provincial da província da Companhia de
Jesus no Brasil, falou dos incessantes pedidos dos índios para que lhes
conservasse as suas terras a fim de que não fossem tomadas pelos brancos, e da
sua promessa que havia feito em “procurar-lhes a sesmaria das que lhe são
precisamente necessárias”. Diz ele num trecho de sua carta: “Vieram
nisso, e as que julgo lhes são necessárias precisamente, segundo a quantidade
deste gentio, são as que ficam desde a barra do Rio
Aracatimirim até a barra do Rio Temona que serão por costa 12
léguas pouco mais ou menos, cortando desde as barras dos ditos rios a rumo
direito para a serra da Ibiapaba, entrando na sesmaria tudo o
que os rumos apanharem da Serra até entestar com os campos gerais que lhe ficam
da outra parte. Porque desta sorte ficam tendo a Serra toda a
terra lavradia que lhe é necessária para as suas lavouras e para a parte do mar
todas as caatingas e Campinas que lhe são necessárias para buscar a caça e o
mel para o seu sustento; e este é um dos meios necessários para a conservação
destes gentios mas não sei a quem se há de pedir esta sesmaria”(o
negrito é nosso). Esta preciosa Carta anua da Missão do Ceará na Serra da
Ibiapaba, foi dividida em parágrafos pelo padre Andreon “para o Conselho
Ultramarino, onde foi examinada no dia 20 de dezembro de 1696”. De maneira
que a Carta Régia de 8 de janeiro de 1697 foi emitida em vista da carta de 10
de outubro de 1696, do padre Ascenço Gago.
Na mesma data de 8 de janeiro de 1697 foi também expedida outra Carta Régia ao
Governador do Maranhão, Antônio d’Albuquerque Coelho de Carvalho, nos seguintes
dizeres:
“Antônio d’Albuquerque Coelho de Carvalho. Amigo. Eu El Rei vos envio
muito a saudar. Tenho resoluto que no Ceará se faça um Hospício para assistirem
nelle os Padres da Companhia que tem a sua conta a Missão daquelles Certões.
“E por que o Padre Ascenso Gago aviza ser conveniente situarem-se os Índios em
aldeias pela costa que dista do Ciará ao Maranhão duzentas legoas se lhes dem
de sesmaria as terras que ficão desde a Barra do Rio Aracaty Merim athe a Barra
do Rio Themona cortando desde as Barras dos ditos Rios a rumo direito para a
Serra de Ibiapaba entrando na sesmaria tudo os que os rumos apanharem da Serra
atthé entestarem os campos geraes que
lhe ficão da outra parte cuja deligencia se ahde cointinuar
por que assim o hei por bem. Me pareceu ordenar-vos concorrais com todo o favor
e ajuda para que se não inquiete este gentio nem aparte daquelles sítios de que
se fizer escolha para a sua habitação, e lhes mandeis dar de sesmaria todas as
terras que lhe darem necessárias no destricto que tocar avossa juridisção e
data dellas naparte que o dito Religioso preprezente, fazeno que de nenhuma
maneira se altere asua posse nem khe tirem os brancos de elles se receão,
mandando proceder com aquellas penas condignas ao delito dos que obrarem o
contrario para que experimente este gentio até que se lhes guarda e com aminha
grandeza apiedade os ampara para lograrem a nossa amizade. Escrita em Lisboa a
8 de janeiro de 1697.
Rey”.
“Não obstante o interesse demonstrado por Sua Majestade Imperial e os esforços
empreendidos pelo padre Ascenso Gago, as reais determinações deixaram
simplesmente de ser acatadas. Ciúmes e conceitos da frívola emulação, nutridos
pelos padres seculares de Fortaleza contra os inacianos da Ibiapaba levaram o
Provincial da Ordem do Brasil, padre Francisco de Matos, a enfileirar-se nas
hostes oposicionistas, fazendo abordar o alentado sonho missionário”.
Ao descrever os limites da Capitania do Maranhão, Cândido Mendes diz: “Principia
a Capitania do Maranhão na parte leste nas raízes da grande serra da Ibiapaba,
cujas vertentes correndo para o rio Parnahyba, dividem esta Capitania de
Pernambuco. Tinha seu princípio antigamente entre o Ceará e o Rio Grande, junto
aos baixios de S. Roque, onde, conforme observação do nosso missionário o Padre
João Felipe Bettendorf, se via o marco em 4º e 30”de latitude austral, e 342º
de longitude; mas pelas reaes ordens do fidelíssimo Sr. D. João V, toma o seu
princípio hoje da sobredita serra em altura de 3º e 15’ de latitude austral.
Pela banda leste confirma com a Capitania do Piaguy, onde se acha situada uma
villa chamada de – Mocha -, com ouvidor, ministros de letras, juízes e mais
officiaes da Câmara e a milícia de ordenança com o seu capitão-mor, tudo
sujeito no temporal à grande cidade da Bahia, e no espiritual à do Maranhão”. Observa-se
que Cândido Mendes fala em dois limites a leste: um nas raízes da Serra da
Ibiapaba que divide o Maranhão de Pernambuco, cujo limite com Pernambuco “tinha
o seu princípio antigamente entre o Ceará e Rio Grande (do Norte)”,
logicamente a ele pertencia o atual litoral piauiense; o outro, com a capitania
do Piaugy, com administração temporal na Bahia. O próprio Cândido Mendes, em
Atlas do Império, esclarece: “Era este mesmo rio Timonha que extremava a
parte do Ceará que dependia do Maranhão da do Piauhy, antes da organização
desta Província em Capitania, de que dá testemunho, entre outros documentos, a
Carta Régia de 8 de janeiro de 1697, mandando fundar um Hospício no Ceará para
os Padres da Companhia de Jesus, e distribuindo terras pelos Índios da barra do
rio Aracaty-mirim até o themonha (Timonha), juntamente onde se conserva o
limite entre dous Governos de Pernambuco e do Maranhão, pelo Alvará, Decreto,
Carta Régia ou Provisão do Conselho Ultramarino do ano de 1718”.
Verifica-se que as duas cartas datadas de 08/01/1697 e a de 10/10/1695 do Padre
Ascenso Gago, documentam os limites, pelas sesmarias concedidas, do território
cearense, em relação ao Piauí: “desde a barra do rio Aracatimirim até a
barra do rio Timonha”. São bem específicas e transparentes, assim como as
declarações do senador Cândido Mendes. Tem-se a clara conclusão de que o
território de Amarração, “os campos gerais que lhe ficam da outra parte”, pertenciam
ao atual Piauí; toda a margem esquerda do rio Timonha pertencia ao Piauí e não
havia nenhum motivo para no futuro ter o rio Ubatuba como divisa do Piauí com o
Ceará.
Não foi encontrado, no momento, documentos de concessões de sesmarias dadas aos
índios por parte do Maranhão. É provável que tenha havido estas concessões em
atendimento a Carta Régia de 08/01/1697, mas estas sesmarias juridicamente não
se referem, naturalmente, a transferência de terras para posse definitiva por
parte do Ceará, como extensão dos seus limites.
Já o Senador Thomaz Pompeu em “Ensaios Estatístico” assim definiu os limites do
Ceará:
“Os
limites officiais, tanto pelo lado do Poente com o Piauhy, como pelo lado
Sudeste com o Rio Grande do Norte, são contestados por falta de uma linha
exata, que os regule; entretanto os naturais, sobre os quais se funda a divisa
official, e confirma uma posse antiguíssima, são as seguintes:
“Ao ESSE, a costa do Oceano que decorre na direção absoluta para ONO desde o
Mossoró até o delta do Parnahyba, isto he, a barra do Igarassu; a O e SO o
ribeiro Igarassu, que faz barra no braço mais oriental do Parnahyba até extrema
cordilheira da Ybiapaba, a qual começando perto da costa de NO onde se diz
Timonha, 11 léguas a leste do Igarassu, se vai estendendo por uma curva para
SSE, separando esta província da do Piauhy até os Carirys Novos (Crato) a 7º
pouco mais ou menos na serra do Araripe, que corre de ONO a ESSE, formando um
ângulo obtuso até a distância de 35 léguas, em que termina repentinamente; e
segundo uma lombada baixa de 7º a 11º de latitude mais ou menos até 16 léguas
de Oeste a Leste na extrema com Pernambuco”.
Em 1761, durante o governo de João Pereira Caldas, o engenheiro e geógrafo
Henrique Antônio Galluzi levantou a “Carta Geográfica da Capitania do Piauí” e
das extremas das suas limítrofes em que deu pela costa o rio Timonha como
divisa entre o Piauí e o Ceará. O mesmo limite é fixado também no mapa
geográfico da Capitania do Piauí e partes das do Maranhão e Grão Pará oferecido
pelo Ilmo Exmo Sr. Governador Baltazar de Sousa Botelho
de Vasconcelos. No entanto, a Câmara Municipal de Parnaíba ao ser interpelada
em 27 de janeiro de 1860 pelo presidente da província “que, com brevidade,
esta câmara declare com que título ou autorização se funda para aforar os
terrenos das margens do braço do rio Parnaíba, denominado Igaraçu”, respondeu
a 15/02/1860: “por ordem do governador desta outrora capitania Carlos César
Burlamaqui, em ofício de 18 de dezembro de 1806, foram demarcadas pelo então
ouvidor desta comarca e província, o desembargador Henrique José da Silva, em
outubro de 1808 e concluída em setembro de 1814 pelo ouvidor da comarca o
desembargador José Francisco da Costa Furtado, começando desta cidade em rumo
leste, duas léguas até a margem do rio também chamado Igaraçu, que se lança na
barra deste nome e divide esta provícia com a do Ceará, e outra duas léguas,
também a partir desta cidade rumo acima, em rumo do sul até o igarapé da Ponte”.
Neste documento da Câmara da Parnaíba já figurava o atual território de
Amarração pertencendo ao Ceará, ocupação indevida desde que se criou o Hospício
para os padres no Ceará. O Ceará simplesmente estendeu suas fronteiras
julgando-se no direito com base na ocupação indígena por sesmarias, que não
dava direito jurídico de posse de terras que não lhe pertencia.
Havia sido criada, por Carta Régia, em 07/03/1681, a Junta das Missões com sede
em Recife, tendo por objetivo organizar a catequese de toda a região norte do
Brasil. Com o fim de catequizar os índios do Ceará Grande, no antigo distrito
de Acaraú foram “criadas três sedes de Missões, entregues a padres
seculares e localizadas nas vertentes dos três principais rios da região: 1 –
Missão dos Aconguaçus, ribeira do baixo Coreau ou Camocim (1703) sob a direção
do Pe. Antônio de Sousa Leal; 2 – Missão dos Tremembés de Almofala, entregue
aos cuidados do Pe. José Borges Novaes, ribeira do baixo Aracatimirim; 3 –
Missão dos Reriús, ribeira do médio Acaraú, aldeados na serra da Meruoca”.
É na Missão dos Aconguaçús que se tem a origem da atual cidade de Granja (CE),
cujo primeiro topônimo foi Macaboqueira. A criação de Granja absorveu o antigo
povoado Ibuaçu, fundado pelo capitão Pedro da Rocha Franco, que aí tinha sua
fazenda Igaramiranga (Ibuaçu). Pedro da Rocha Franco construiu na sua fazenda a
capela “Santo Antônio do Ibuaçu”, que teve como vigário o Pe. Antônio de Sousa
Leal. Foi desse município que partiram os padres em 1820 em desobriga aos
moradores da região litorânea, inclusive estendendo sua ação ao atual litoral
de Amarração (Luiz Correia), onde alguns pescadores haviam fixado residências.
A posse de Amarração se deu por povoamento e não
por título de direito. Numa região entregue ao abandono, o povoamento por
cearenses favoreceu a posse da terra por parte do Ceará, que integrou a
região ao seu território expandindo a sua fronteira. É por esse motivo que os
historiadores informam que os padres partiam de Granja e os moradores de
Amarração, cidadãos cearenses, pagavam seus tributos a esse município.
Na sessão da Assembléia Provincial do Piauí, de 1º de julho de 1835, foi
aprovado a sugestão do deputado José Francisco de Miranda Osório fixando os
limites da província do Ceará: “sirva de linha provisória a Serra da
Ibiapaba, compreendidas todas as vertentes do rio Poti, e da trombada da mesma
serra pelo rio Timonha até a sua foz na costa do mar”. Novamente surgiu o
Timonha como divisa de limites entre os dois estados.
Depois de formado o território do Ceará, pela Assembléia Provincial, foi
decretado a criação de duas freguesias: pela Lei n. º 1.177, de 29/8/1865, a de
Flores e Ibuaçu. Diz o art. 2º desta lei: “A sede da freguezia de Ibuassú,
desmembrada das freguezias de Granja e Viçosa, será a capella de S. Antônio de
Ibuassú, servindo de limites à mesma frguezia os pontos seguintes: partindo do
lugar onde o rio Itaculumi atravessa a serra em direção ao Norte até Jaburema
inclusive, d’ahi à fazenda Porteira inclusive, em direção ao riacho Salgado até
onde faz barra no mar, pelo lado Sul da cinta da serrinha de Dom Simão à
fazenda S. Izidoro inclusive, d’ahi á alagoa do Paixão, inclusive, seguindo
pela cinta da serra, onde se liitará com a feguzia de Viçoza, comprehendendo o
sítio Corredeira. Pelo lado do poente com as freguezias da Viçosa e Parnahyba”.
Na Resolução n.º 1.360, de 05/11/1870, que trata da transferência da sede da
freguesia de Santo Antônio de Iboassú para a capela de Nossa Senhora da
Conceição d’Amarração, os limites constantes no art. 2º da Lei n.º 1.177, de
29/8/1865, aparecem modificados em vista do novo local transferido. Diz o art.
2º da Lei n.º 1.360: “Os limites da freguzia de Nossa Senhora da Conceição
d’Amarração serão os seguintes: da barra do rio Timonha, rio S. João da Praia
acima, até a barra do riacho, que segue para Santa Rosa e dahi em rumo à serra
de Santa Rita, até oi pico da serra Cocal termo do Piauhy”.
Devido às controvérsias que longo ano pendia a respeito dos limites do Piauí
com o Ceará, em 1835 a Assembleia Legislativa piauiense encaminhou
representação a Assembleia Geral para que fossem marcados os limites da
província com as confiantes. Tinha o Piauí interesse urgente de reaver o seu
antigo litoral.
Por longos anos o Ceará tinha também suas pretensões ao território da Comarca
de Príncipe Imperial (Crateús), embora ao Piauí sobrassem elementos jurídicos a
seu favor com relação à posse desde tempos antiguíssimos. A intenção cearense
foi comentada na assembleia de 1822 pelo governo provisório, sendo em 1828 o
assunto tratado no parlamento, em 1832 apresentado um projeto sobre o assunto
na câmara dos deputados e em 1839 novamente abordado pela Assembleia
Legislativa do Ceará.
Tratada a questão no parlamento em 1880, foi o
assunto discutido no Senado pelo senador Domingos José Nogueira Jaguaribe
defendendo calorosamente o território cearense. Durante esse período os
cearenses já haviam apossado do litoral desde 1820, criando povoados, passando
o Ceará a legislar em terras que não lhe pertenciam. Julgaram-se senhores de
terras que não eram cearenses. Acertados os interesses entre as duas
províncias, o Piauí acabou fazendo acordo com o Ceará trocando dois ricos
municípios, Independência e Príncipe Imperial, pela faixa litorânea
compreendida desde a barra das Canárias até a serra da Ibiapaba, na barra do
rio Timonha. Dessa maneira readquiriu o Piauí o seu antigo território que seria
regulamentado pelo Decreto n.º 3.012, de 22 de outubro de 1880, a saber:
Decreto n. 3012, de 22 de outubro de 1880
altera a linha divisória das Províncias do Ceará e do Piauí
Hei por bem Sancionar e mandar que se execute a resolução seguinte da
Assembléia Geral:
Art. 1º: É anexado á Província do
Ceará o território da comarca do Príncipe Imperial, da Província do Piauhy,
servindo de linha divisória das duas províncias a Serra Grande ou da Ibiapaba,
sem outra interrupção além da do rio Puty, no ponto do Boqueirão, e pertencendo
à Província do Piauhy todas as vertentes occidentaes da mesma serra, nessa
parte, e á do Ceará as orientaes.
Art. 2º. Fica pertencendo á Província do Piauhy a freguezia da Amarração com os
limites que estabeleceu a lei provincial do Ceará n. 1360 de 5 de novembro de
1870, a saber: da barra do rio timonio, rio S. João da Praia acima, até a barra
do riacho, que segue para Santa Roza e d’ahi em rumo direito a Serra de Santa
Rita, até o pico da Serra Cocal, terreno do Piauhy.
Art. 3º. A linha divisória ecclesiástica será idêntica a civil que fica
estabelecida, sendo o Governo autorizado para solicitar da Santa Sé as
necessárias bulas.
O Barão Homem de Mello, do Meu Conselho, Ministro e Secretário de Estado dos
Negócios do Império, assim o tenha entendido e faça executar. Palácio do Rio de
Janeiro em 22 de Outubro de 1880, 59º da Independência e do Império.
Com a rubrica de Sua Majestade o Imperador.
Barão Homem de Mello
Chancelaria-mor do Império – Manoel Pinto de
Souza Dantas.
Transitou em 26 de Ouburo de 1880 – José Bento da Cunha Figueiredo Junior –
Registrado.
Publicado na 1.ª Diretoria da Secretaria de Estado dos Negócios do Império em
26 de Outubro de 1180 – O Diretor, Manoel Jesuíno Ferreira.
Verifica-se no art. 2º , deste importante
documento, que ficou mantido os mesmos limites estabelecidos pela Lei
Provincial do Ceará n.º 1360, de 05.11.1870, dando força de lei a divisão
eclesiástica como civil, em detrimento da Lei n.º 181, de 16 de setembro de
1839, parcialmente alterada pela Lei nº. 203, de 28/8/1840, que tratava dos
limites de Flores e Ibuassú. As leis nº. 181, de 16/9/1839, nº. 203, de
28/8/1840, nº. 1177, de 29/8/1865, tratam de limites eclesiásticos e não civil,
embora muitas vezes as eclesiásticas tenham sido utilizadas como civis. Cada
uma apresenta limites diferentes, inclusive a Lei nº. 1.360, de 05/11/1870, que
serviu de base para o Decreto de 1880. Com a Lei nº 1.360, de 05/11/1870, foi
modificado os limites eclesiásticos passando a capela de Nossa Senhora da
Conceição da Amarração a ser sede de freguesia. Com a criação desta freguesia a
posse da região deu-se de maneira eclesiástica, já que por parte do Maranhão
não havia nenhuma intenção nesse sentido.
Por ocasião da negociação e do Decreto nº. 3012, de 22/10/1880, não foram
levados em consideração os limites anteriores fixados pelas sesmarias
concedidas por D. João V, através da Carta Régia de 08/01/1697 e nem a carta
geográfica de 1761 feita pelo engenheiro e geógrafo Henrique Antônio Galluzi.
Isto é o que leva a deduzir a análise do assunto.
Faltou, provavelmente, por parte das autoridades
piauienses um estudo profundo da matéria. Talvez esta falha se deva a falta de
conhecimento dos documentos. Passaram despercebido dos piauienses os dizeres
contidos no art. 2º da Lei de 1880. Naturalmente na ânsia de resolver a
pendência não se perceberam deste detalhe. Perdeu o Piauí uma grande faixa de
terra do lado esquerdo do rio Timonha, “os campos
gerais que lhe fica da outra parte”, a região compreendida
entre o rio Ubatuba e Timonha, que engloba a Ilha Grande, Ilha da Clemência,
Ilha dos Preás e outras, inclusive a área onde hoje se encontra a cidade de
Chaval (CE).
Referindo-se sobre o acordo firmado entre o Piauí e o Ceará, o historiador F.
A. Pereira da Costa assim escreveu: “Estas considerações se referem a
espoliação de que foi vítima o Piauí da não pequena zona que se estende entre
toda a margem esquerda do rio Timonha, até chegar ao Igaraçu, e que constitui o
termo da vila da Amarração, para depois, anos decorridos, reavê-la, mas em
troca de vasto e riquíssimo território, que constitui uma das mais importantes
comarcas, a de Príncipe Imperial, com ubérrimo termo da vila da Independência”.
Verifica-se que Pereira da Costa fala “entre toda a margem esquerda
do rio Timonha” como pertencendo ao Piauí, cuja área foi astutamente levada
pelos cearenses ao considerarem o rio Ubatuba como limite entre as duas
províncias. Esta mudança veio a prejudicar o Piauí quando dos limites nas
vertentes da Serra da Ibiapaba. Para um estudo mais profundo da questão dos
limites, faz-se necessário o conhecimento do Alvará de 18/11/1718 que elevou o
Piauí a capitania dependente do Maranhão e da Carta Régia de 29 de julho de
1758 que deu execução ao Alvará de 1718.
Há de se reconhecer que por muitos anos a região
de Amarração esteve ao abandono. Fugindo das secas e de áreas impróprias para a
lavoura e criação de gado vacum, procuraram os cearenses outras terras férteis
e estas foram descobrir justamente do outro lado da Serra da Ibiapaba, no
Piauí. A atual cidade de Luiz Correia, antiga Amarração, até que apareçam novos
documentos, surgiu com o povoamento de pescadores cearenses, assim como o atual
Estado do Acre que teve o seu povoamento durante ao êxodo cearense.
Os vertentes
oestes da Serra da Ibiapaba, que pertencem ao Piauí, foram e vêm sendo aos
poucos invadidas pelos cearenses, infligindo o art. 1º do Decreto nº. 3012, de
22/10/1880, quando diz: “e pertencendo à Província do piauhy todas as
vertentes occidentaes da mesma serra, nessa parte, e à do Ceará as orientais”.
O absurdo atual acontece no início da subida da serra, pelo lado piauiense de
quem vai para o Ceará via Tianguá, com a existência de uma cancela alfandegária
estadual cearense. O mesmo próximo à cidade de Cocal, já em território
piauiense. É o exercício administrativo tributário cearense em terras
piauienses a constituir violação da lei.
Teresina (PI), 13 de abril de 2.012
Dia de São Martinho I, Papa; Beata Ida de
Lovaina, virgem; Santo Hermenegildo, mártir.
laus Deo
Renato Neves Marques
Academia Parnaibana de Letras
Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Parnaíba