O fenômeno da violência é tão antigo quanto o ser humano. Desde sua
criação (ou surgimento, dependendo do ponto de vista), o homem sempre
esteve dividido entre razão e instinto, paz e guerra, bem e mal.
Há quem tente explicar a violência, a opção pela criminalidade, como
consequência da pobreza, da falta de oportunidades: o homem fruto de seu
meio. Sem poder fazer as próprias escolhas, destituído de
livre-arbítrio, o indivíduo seria condenado por sua origem humilde à
condição de bandido. Mas acaso a virtude é monopólio de ricos e
remediados? Creio que não.
Na propaganda institucional, a pobreza
no Brasil diminuiu, o poder de compra está em alta, o desemprego
praticamente desapareceu… Mas, se a violência tem relação direta com a
pobreza, como explicar que a criminalidade tenha crescido em igual ou
maior proporção que a renda do brasileiro? Criminalidade e pobreza não
andam necessariamente de mãos dadas.
Na semana passada, a violência (ou a falta de segurança) voltou ao
centro dos debates. O flagrante de um jovem criminoso nu, preso a um
poste por um grupo de justiceiros deu início a um turbilhão de
comentários polêmicos. Em meu espaço de opinião no jornal “SBT Brasil”,
afirmei compreender (e não aceitar, que fique bem claro!) a atitude
desesperada dos justiceiros do Rio.
Embora não respalde a violência, a legislação brasileira autoriza
qualquer cidadão a prender outro em flagrante delito. Trata-se do artigo
301 do Código de Processo Penal. Além disso, o Direito ratifica a
legítima defesa no artigo 23 do Código Penal.
Não é de hoje que o cidadão se sente desassistido pelo Estado e
vulnerável à ação de bandidos. Sobra dinheiro para Cuba, para a Copa,
mas faltam recursos para a saúde, a educação e, principalmente, para a
segurança. Nos últimos anos, disparou o número de homicídios, roubos,
sequestros, estupros… Estamos entre os 20 países mais violentos do
planeta. E, apesar das estatísticas, em matéria de ações de segurança
pública, estamos praticamente inertes e, pior: na contramão do bom
senso!
Depois de desarmar os cidadãos (contrariando o plebiscito do
desarmamento) e deixá-los à mercê dos criminosos, a nova estratégia do
governo, por meio do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, é
neutralizar a polícia, abolindo os autos de resistência.
Na prática, o policial terá que responder criminalmente por toda
morte ocorrida em confronto com bandidos. Em outras palavras, é
desestimular qualquer reação contra o crime. Ou será que a polícia
ousará enfrentar o poder de fogo do PCC (Primeiro Comando da Capital) ou
do CV (Comando Vermelho) munida apenas de apitos e cassetetes?
Outra aliada da violência nossa de cada dia é a legislação penal:
filha do “coitadismo” e mãe permissiva para toda sorte de criminosos.
Presos em flagrante ou criminosos confessos saem da delegacia pela porta
da frente e respondem em liberdade até a última instância.
No Brasil de valores esquizofrênicos, pode-se matar um cidadão e sair
impune. Mas a lei não perdoa quem destrói um ninho de papagaio. É
cadeia na certa!
O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), o Estatuto da
Impunidade, está sempre à serviço do menor infrator, que também encontra
guarida nas asas dos direitos humanos e suas legiões de ONGs piedosas.
No Brasil às avessas, o bandido é sempre vítima da sociedade. E nós não
passamos de cruéis algozes desses infelizes.
Quando falta sensatez ao Estado é que ganham força outros paradoxos.
Como jovens acuados pela violência que tomam para si o papel da polícia e
o dever da Justiça. Um péssimo sinal de descontrole social. É na
ausência de ordem que a barbárie se torna lei.
Rachel Sheherazade, 40, jornalista pela Universidade Federal da Paraíba, é âncora do telejornal “SBT Brasil”
Fonte: Prosa & Política