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Poesia de Quinta | Poema em linha reta

Olá bom dia! Retornamos com Fernando Pessoa ao "Poesia de Quinta". Dessa vez com heterônimo  Álvaro de Campos e  o poema "Poema em linha reta". 

Fernando Pessoa, por seu heterônimo Álvaro de Campos, no seu Poema em Linha Reta fez uma crítica social de forma irônica porque percebia as mazelas da sociedade de sua época e que hoje são tão atuais.

O eu-lírico se coloca crítico em relação a si próprio e interroga o leitor pedindo respostas. Dessa forma se apresenta por meio de adjetivos pejorativos. Talvez para se sentir melhor com relação á sociedade, uma vez que ele não tinha amigos; apenas conhecidos. Então ele ofendeu a si próprio com esses adjetivos: reles, porco, vil, pessimista, sujo, ridículo, absurdo, grotesco, mesquinho, submisso, arrogante, cômico, errôneo.

Quando ele declara que “tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas”. O eu-lírico declara que foge das etiquetas que a sociedade impõe, não dá importância para as convenções sociais que exigem regras das pessoas ditas civilizadas. O poeta ironiza porque os seus conhecidos só contam as vantagens da vida. Portanto, o poema é cheio de ironias a começar pelo título.

A essência do poema é a denúncia sobre as pessoas falsas e hipócritas que jogam a sujeira em baixo do tapete, “levanta sacode a poeira e dá a volta por cima” e seguem na falsidade de uma sociedade com seus dogmas. Não há sofredores, somente vitoriosos. O eu-lírico faz o leitor entender que as afirmações negativas sobre sua personalidade são ditas pela sociedade, e não pelo poeta.

Poema em linha reta

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe — todos eles príncipes — na vida…

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? 
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos — mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
(Trecho de “Poema em Linha Reta”, de Fernando Pessoa)
Com informações: Revista Bula / Gelza Reis Cristo / Portal Isto é Amazônia
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