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Poesia de Quinta | Carta para Ariano Suassuna

Bom dia amigos leitores. O "Poesia de Quinta" desta semana, apresenta uma carta atribuída ao ator Mateus Nachtergaele, na qual ele homenageia o Grande escritor Ariano Suassuna que faleceu ontem, quarta-feira (23), aos 87 anos, em Recife, onde morava desde 1942.

Ao contrário de muitas produções literárias, que talvez não alcancem o povão, pelo menos dois livros de Suassuna chegaram à TV — “Auto da Compadecida” e “O Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta”, transformados em minisséries em 1999 e 2007 — e um deles ao cinema (o mesmo “Auto da Compadecida”).

Mateus Nachtergaele, que interpretou João Grilo em “O Auto da Compadecida”, nas versões para a TV e o cinema. Antes de Suassuna morrer, assim que seu quadro se tornou preocupante, o ator escreveu uma carta cheia de delicadeza e agradecimento para homenagear o autor. A carta foi publicada no jornal “Diário de Pernambuco”, e a reproduzimos em seguida:

"Carta para Ariano,

Quem te escreve agora é o Cavalo do teu Grilo. Um dos cavalos do teu Grilo. Aquele que te sente todos os dias, nas ruas, nos bares, nas casas. Toda vez que alguém, homem, mulher, criança ou velho, me acena sorrindo e nos olhos contentes me salva da morte ao me ver Grilo.

Esse que te escreve já foi cavalgado por loucos caubóis: por Jó, cavaleiro sábio que insistia na pergunta primordial. Por Trepliev, infantil édipo de talento transbordante e melancólicas desculpas. Fui domado por cavaleiros de Sheakespeare, de Nelson, de Tchekov. Fui duas vezes cavalgado por Dias Gomes. Adentrei perigosas veredas guiado por Carrière, por Büchner e Yeats. Mas de todos eles, meu favorito foi teu Grilo.

O Grilo colocou em mim rédeas de sisal, sem forçar com ferros minha boca cansada. Sentou-se sem cela e estribo, à pelo e sem chicote, no lombo dolorido de mim e nele descansou. Não corria em cavalgada. Buscava sem fim uma paragem de bom pasto, uma várzea verde entre a secura dos nossos caminhos. Me fazia sorrir tanto que eu, cavalo, não notava a aridez da caminhada. Eu era feliz e magro e desdentado e inteligente. Eu deixava o cavaleiro guiar a marcha e mal percebia a beleza da dor dele. O tamanho da dor dele. O amor que já sentia por ele, e por você, Ariano.

Depois do Grilo de você, e que é você, virei cavalo mimado, que não aceita ser domado, que encontra saídas pelas cêrcas de arame farpado, e encontra sempre uma sombra, um riachinho, um capim bom. Você Ariano, e teu João Grilo, me levaram para onde há verde gramagem eterna. Fui com vocês para a morada dos corações de toda gente daqui desse país bonito e duro.

Depois do Grilo de você, que é você também, que sou eu, fui morar lá no rancho dos arquétipos, onde tem néctar de mel, água fresca e uma sombra brasileira, com rede de chita e tudo. De lá, vê-se a pedra do reino, uns cariris secos e coloridos, uns reis e uns santos. De lá, vejo você na cadeira de balanço de palhinha, contando, todo elegante, uma mesma linda estória pra nós. Um beijo, meu melhor cavaleiro.
Teu,
 

Matheus Nachtergaele"

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