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Gogó de Sola | por Pádua Marques


Pouco mais uns minutos das oito da manhã e Raimundo Isidoro Castro, o Gogó de Sola, vindo dos Tucuns, já estava na porta do Hotel Carneiro esperando que um hóspede que ele sabia ter vindo do Rio de Janeiro, saísse do quarto pra que naquela conversa demorada e coma voz grossa que lhe deu o apelido de fama, fosse pedir um obséquio. Que o ilustre levasse umas cartas suas pra Rádio Nacional e a Mayrink Veiga pedindo atenção nas letras de suas composições aos cantores de maior sucesso. 

Aquilo era coisa que fazia toda semana, bastando saber que alguém dos lados de lá estava em Parnaíba. Naquele ano de 1941 existia uma guerra na Europa, Parnaíba ainda fazia grandes negócios e fortunas com a cera de carnaúba, babaçu e o couro de boi, mas seus comerciantes e industriais estavam ficando com medo. Os invernos davam trabalho ao prefeito Mirócles Veras e a Rádio Educadora continuava sendo o desejo daqueles que procuravam fama. Gogó de Sola continuava tentando a sua. 

Era um sujeito de boa estatura, cara de gavião, escuro, cabelos lisos à custa de brilhantina. Andava sempre elegante, embora pobre, vestido de camisa de cambraia e calça de linho branca, cinto passado, sapatos lustrados e um paletó, mas sem a gravata. Vivia pelo centro, desde o Hotel Carneiro, Hotel Parnaíba, a pensão de Nagib, o Cine Éden, a Casa Inglesa e o estabelecimento de seu Ranulfo Raposo, na rua Grande. 

Toda aquela elegância de Mundico Gogó de Sola tinha um destino. Ele era seresteiro e junto com outros colegas desocupados, o Bené Euclides, os irmãos Tião Sidó e Genésio, vindos da Guarita, eram de varar as noites e as madrugadas de sábado pra domingo tocando violão de porta em porta. Coisa paga. 

Juntava gente e as moças mandando bilhetes com os nomes daqueles rapazes que elas queriam dedicar as músicas de Sílvio Caldas, Luís Barbosa, Pixinguinha, Carlos Galhardo, cantores da Rádio Nacional e da Mayrink Veiga. E a fama de Gogó de Sola e seus pariceiros alcançou Buriti dos Lopes, Cocal, Bom Princípio, Barra do Longá, Araioses, João Peres e a Tutóia no Maranhão. 

Gogó de Sola e seus colegas eram chamados pra se apresentar até nas casas de gente rica da Nova Parnaíba, da rua Grande e nas chácaras mais distantes, em aniversários, casamentos. Certa vez foram na casa de um industrial e foi tanta comida, tanta bebida, presentes, uma moeda maior aqui e acolá que até deu pra levar pra casa. Os outros mais acanhados, que nunca haviam visto fartura na vida, bebidas e comidas finas, acabaram deixando de mão. Ele não. Pediu um saco na cozinha e levou o que deu, até peru assado! Passou três dias comendo e dando de comer pra mulher e o menino pequeno, aquele que comia barro atrás de casa! 

Os comerciantes do centro de Parnaíba não gostavam porque ele, Gogó de Sola, com aquela voz alta e grave e a mania de ser artista, acabava tirando a atenção dos fregueses e dos caixeiros. Um dia até que veio propor a seu Miguel Carcamano uma apresentação no Cine Éden, mas o sírio exigiu um monte de coisas, firmas que fizessem reclames pra garantir a bilheteria. Mas a história era outra. Sendo artista de subúrbio, pouco ia levar gente pra comprar ingressos e ele não estava dando murro em ponta de faca naquele exato momento. 

Gogó de Sola bateu perna em tudo quanto foi firma grande de Parnaíba, mas todas elas bateram a porta na cara dele. Como vingança ficou dois dias no coreto da praça da Graça cantando suas composições e com pilhérias, desaforos, xingando todos eles, aqueles agiotas, unhas de fome, cornos, filhos dessa e filhos daquela!Um comerciante da rua Grande foi até o chefe de polícia e pediu providências duras. A ordem foi que o artista maneirasse ou podia se considerar homem preso por perturbação da ordem pública! 

Fazia tempo que o chefe de polícia vivia se incomodando com aqueles sujeitos sem ofício. Sem ofício? Sim, porque aquilo era ocupação de gente? Cantar pelo meio da rua e incomodando as famílias de madrugada, não deixando ninguém dormir, desde a Guarita, Macacal, até a Nova Parnaíba e além do mais o mundo estava dentro de uma guerra na Europa e todo mundo já deveria estar se pelando de medo. Tinha ouvido dizer que quando fosse na hora do pega pra capar, muita gente iria chorar feito menino! Ouviu na Rádio Educadora! 

*Pádua Marques - escritor, contista e romancista membro da Academia Parnaibana de Letras - cadeira 24. 







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