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Novembro vazio | por Iolanda Nogueira de Brito



Boquinha da noite do dia 1º de novembro de 2020. Apesar de ainda distante da primeira novena , o movimento típico da época já traz um "arzinho de festejo".

Cada dia que se aproxima do tão esperado 17, o primeiro dos nove que alvoroçam as ruas de Chaval, a expectativa agiganta - se pelos tão aguardados festejos da co-padroeira de Chaval, Nossa Senhora de Lourdes. Época que coincide com o nascimento do então povoado, tendo por testemunhas: os rios, os mangues, a imensidão das pedras e a aldeia indígena Tremembés : seus primeiros habitantes.

No findar de outubro a cidade inteira veste - se de várias cores. Areia, tijolo e cimento decoram as ruas enquanto aguardam, ansiosos, sua vez de fazerem parte nas tradicionais reformas do cenário chavalense.

As casas, já cheirando a tinta nova, esperam seus visitantes. Uns de primeira viagem, outros já veteranos e os filhos de Chaval que voltam à sua terra natal trazendo, à tiracolo, alguns amigos que vêm conhecer a tão falada Festa da Gruta.
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Os meios - fios e as beiradas das calçadas vestem - se de branco. Nos arredores do Mercado Público e da Igreja Matriz, a cal demarca o território que vai abrigar as diversas barraquinhas de vendas que há décadas fazem parte do cenário novembrino. O espaço entre as barracas vira passarela para os que vão comprar, os que vão "dar uma voltinha" e os que vão "só dar uma olhadinha". As sorveterias se espalham pelo centro da cidade, jogando no ar, um cheirinho de tutti - frutti daquele sorvete azul, de RS1,00, que eu, brincando, sempre pedia chamando de sorvete de sabão em pó. Os meninos e meninas que pareciam hipnotizados, puxam suas mães pelas mãos para que estas realizem seu desejo de lambuzar - se de sorvete.

O parque de diversões recém - chegado na cidade, acomoda - se na rua José Romão Rios, onde vira ponto de encontro de tudo quanto é de público e, onde se vê aquele aquele monte de gente num eterno vai e vem. Em cada canto, tem um grupinho de amigas cochichando...uns "volteando"...uns meninos e meninas brincando de pega - pega, extravasando sua energia e felicidade. Os pequenos travessos caem depois de cada "barroada" com os amiguinhos enquanto suas mães, desesperadas, soltam gritos estridentes, que se fundem à música do parque.

Nos três meses que antecedem o novembro, cartazes e faixas anunciam aos quatro cantos de Chaval e vizinhança, os nomes das bandas e clubes que vão marcar o final dos festejos no dia 26.

Outubro indo embora...os vários grupos da comunidade católica começam os preparativos para "fazer bonito" na recepção dos devotos de Nossa Senhora de Lourdes.

A pedra da Gruta vira um pequeno canteiro de obras, onde cada um vira, temporariamente, o pedreiro....o eletricista...o pintor...

O mês mais esperado do ano, chega enfim. Vendedores e visitantes começam a aparecer, aumentando em números, à medida que o tempo passa.

Dia 17 de novembro: o primeiro dos nove dias mágicos, quando Chaval vive tudo com toda intensidade. No raiar do dia, fogos de artifício avisam que as comemorações à co-padroeira de Chaval começaram. No cair da tarde do mesmo dia, a imagem da Santa é trazido em cortejo da Ponte do Lima, pelo Rio Ubatuba, rodeada por canoas que colorem as suas águas calmas e salgadas emolduradas pelo verde - vivo do extenso manguezal. Já em terra firme, a Senhora de Lourdes é esperada por grande número de fiéis que vão em sua companhia até a sua imponente moradia: a Pedra da Gruta.

Na subida dos degraus a curiosidade estampada na cara dos que visitam Chaval pela primeira vez, não passa despercebida, quando passam pelos anjos que vigiam a ilustre anfitriã, sob o tilintar dos níqueis caindo no fundo da caixa de ofertórios, onde tem sempre aquela beata que, passou pelo cãozinho doente e virou a cara com nojo, desdenhou da mão estirada do pedinte, mas só depositou suas moedas ali, onde a plateia é maior.

O giro de 360º que se tem sobre Chaval, rouba a cena. Entre a multidão que se forma em cima da pedra, a curiosidade de alguns fiéis troca a ladainha pelas perguntas sobre a cidade: falam dos eventos que caracterizam a região. Falam da Regata de Canoas... do Canta Chaval, quando os cantores do lugar tinham a chance de mostrar seu talento... da Pesca Artesanal... dos Jogos de vôlei e do Garota Chaval, todos realizados às margens do Rio Ubatuba, e, da Cavalgada que dá um ar "Country " às ruas chavalenses, além das vigílias na pedra mais visitada de novembro e no clarão dos faróis da imensa fileira de carros, serpenteando pela BR 086 Que separa o Piauí do Ceará. A banda de música, da qual fiz parte, que ficou num passado ainda mais distante, também é relembrada. Era ela que, antigamente, despertava Chaval às 5:00h da manhã, todos os dias. Além da alvorada, ao por do Sol, os músicos subiam na Pedra da Gruta para, entre uma reza e outra, lançar no ar seus hinos e dobrados com seus trinados...agudos...graves...bemóis... sustenidos...
Quando Francisco Araújo de Souza, o famoso e perfeccionista Maestro Chiquinho pensava em dizer que a banda podia descansar, nós Já perambulávamos por entre as barraquinha (do tiro ao alvo era a minha preferida). Quando o padre dizia "Vamos em paz, que o Senhor nos acompanhe", a correria era grande. Sabíamos aqueles degraus num desespero danado. Ofegantes, uns recuperavam o fôlego descendo por entre os devotos. Tinha sempre aquele que carregava um instrumento a mais porque havia aquele "engraçadinho" que só aparecia quando já estávamos tocando a " Ave... Ave...Ave...Maria". Vez ou outra, se via uma cena que nos fazia sentir no Auto da Compadecida de Suassuna. Enquanto o músico atrasadinho pegava seu instrumento, enfrentava o olhar raivoso do maestro que logo, logo, já estava rindo com todo mundo e chamando cada um pelo apelido carinhoso que ele havia botado.

Dia 22 de novembro. Foi nessa data em que nasceu a pequena e pacata cidade: Chaval. A origem de seu nome ainda causa discussão. Afinal de contas : Chaval vem de "chavascal" o que seria um derivado de chave, que quer dizer "lugar que fecha um território ", ou Chaval vem do fato de seus primeiros moradores terem achado um molho de chaves no morro de barro vermelho , o famoso "Alto da Igreja" onde nasceu a primeira igreja da comunidade?

Os parabéns à Chaval é desejado de todos os jeitos possíveis e, no aniversário mais festejado do ano, o filho das grandes pedras vira matéria escolar. Durante uma semana o corre - corre de aluno e professor é para trabalhar o assunto necessário, "Chaval ". Os alunos em equipe definem o tema a ser trabalhado. Tem aquela gritaria entusiasmada das meninas e meninos:" eu vou falar da economia de Chaval: do peixe...do sal...do carangueijo...do peixe...do camarão... Outros preferem falar das comidas típicas...até mesmo aquele aluno tímido que só segurava o cartaz, se anima pra falar de sua Terra.

Nos meados dos festejos de Nossa Senhora de Lourdes as ruas já estão cheias pelos seus visitantes, pagadores de promessas e filhos da cidade que se misturam aos vendedores ambulantes. Nesse momento, ao redor da Pedra da Gruta, tem um colorido babado de gente. Falta lugar pra tantos fiéis que acomodam - se no trecho interditado da rua Monsenhor Carneiro: a que está aos pés da Casa de Lourdes. Padres visitantes se revezam para celebrar a missa, nos nove dias de festas.

Antes de cada missa, fiéis de outros lugares são recepcionados tendo o nome de sua Terra Natal levado pela corrente de ar que sopra forte do alto da pedra. Alguns não conseguem controlar sua curiosidade e não tiram os olhos da visão que se tem do lugar entendendo o porquê de ele ser chamado de "A Ilha das Pedras".

Na lateral da grande pedra, na rua batizada pelo mesmo nome da Santa Padroeira, as várias barraquinhas de palha completam um rústico e agradável cenário que remete às barraquinhas que há muitos decoravam a Rua Coronel José Porfírio, onde estão a Biblioteca Pública Municipal e a Agência do Banco do Brasil.

Nas barraquinhas aos pés da Gruta, o que mais atrai é o cheirinho gostoso das comidas típicas, principalmente o do famoso peixe frito na hora, no crepitar do fogo a carvão. O freguês, como tem sempre razão, pede para ouvir sua música preferida, causando aquela gostosa confusão de músicas pra todo gosto e que se misturam aos hinos católicos cantados em falsetes.

Os dias vão passando e mais e mais gente chegando pra aproveitar os últimos e intensos dias de festas.

Depois de Nossa Senhora de Lourdes ter visitado oito casas da comunidade, chega o dia da última novena. Agora, nas ruas chavalenses, vira um grande corredor onde gente de todos os cantos vira uma só tem família. Têm os que já vão pra casa na zona rural... Têm os que vão pra festa...outros vão comprar as "lembrancinhas de Chaval "...

A Rua Coronel José Porfírio é tomada por paredões, onde cada turma de amigos faz sua festinha particular antes de ir enfrentar a gigantesca fila para entrar na festa. Preocupação?! Nenhuma a não ser a da grande dúvida: se vai para festa com a melhor banda ou para o clube onde a turma vai.

Enquanto isso, nas Ruas Major Fiel e Padre Antônio Carneiro o que prende a atenção do povo é a grande opção de compra de lembrancinhas, que pode ser um calçado, um brinquedo, uma roupa, uma imagem de santo ou uma bijuteria das banquinhas dos senegaleses que nos últimos tempos têm feito parte desse cenário.

A Rua Monsenhor Carneiro é uma grande passarela de vendas. Tem de tudo um pouquinho: artesanato...artigos de cama, mesa e banho...frutas...esculturas de gesso... e, o que não poderia faltar: a iguaria feita na folha da bananeira que, para uns é "bolo manzapi " para outros ele é o "bolo manuê". O que remete à cena de anos atrás, quando minha mãe saia com uma vizinha e amiga para comer essa iguaria enquanto olhavam as novidades. Na esquina da Praça Central, uma rodinha de gente chamava a atenção quando davam um grito de espanto quando perdiam o jogo para as argolas: o que já não se vê mais nos festejos de hoje em dia.

Não se pode deixar de relembrar dos antigos festejos com as várias barraquinhas de jogo de caipira. Em uma delas, o saudoso dono da única barraquinha que ficava em Chaval quando tudo acabava: Seu Nonato Boi. Ele sempre ficava ali no cruzamento da José Porfírio com a Monsenhor Carneiro, naquele círculo de curiosos onde os que estavam mais atrás ficavam nas pontas dos pés, para não perderem nenhuma partida. Os apostadores da linha de frente com seus rostos alumiados pela pequena chama da lamparina, ficavam atentos ao serelepe e minúsculo dado quando jogado de um lado para outro no interior do copo de alumínio, seu inseparável companheiro.

Uma rajada de vento trás, lá das bandas da Casa Paroquial, o anúncio de que o leilão já vai começar. Em cima e embaixo da mesa comprida tem prenda de todo jeito: rosca - queijo, galinha caipira, cajuína...
Entre uma música e outra, o seresteiro dá a vez para o Seu Louredo: o leiloeiro oficial dos eventos paroquiais. São feitos os agradecimentos aos doadores das prendas, e o leilão começa.
"Vamos começar com um bolo de milho. Olha quem mais dê! Olha quem dê mais!"
E, o povo querendo mesmo é ajudar a igreja, arremata o bolo por nada mais, nada menos que RS 60,00.

Enfim, o temido dia 27 de novembro chega para a tristeza dos que, às 7:00h da manhã ainda estão dançando. De repente, aquela clássica cena: uns que "tomaram todas" e vinham "costurando a rua" outras, com as sandálias de salto nas mãos, uns vêm abraçados cantando as músicas que marcaram a festa... têm os que ficam tomando sorvete na praça... o abrigo de feirantes que já não existe mais, era paradeiro certo para alguns festeiros irem curar a ressaca com um café bem forte.

Altas horas da noite do dia 27. Os vizinhos conversam nas calçadas enquanto esperam a água encanada chegar. Afinal de contas, em novembro ela falta dia sim outro também.
Ouve - se um "nem parece com os novembros passados "...

Nesse ano, no aniversário de Nossa Senhora de Lourdes, apenas resquícios de um festejo, ousaram apresentar-se: a solitária sorveteria esperou, em vão, seu público de pequenos...
Os pula - pulas sentiram a falta dos seus meninos pulando aos montes, disputando o pulo mais alto...
O vendedor de bichinhos infláveis já não estava rodeado de crianças pedindo um brinquedo à mãe...não se viu aquela multidão que tomava as ruas e calçadas e fazia o vendedor de flores desaparecer...o colorido dos balões com gás hélio...as fugazes e cintilante luzes do brilho vermelho da maçã do amor... o "homem do algodão doce" anunciando com um apito, a sua passagem pelas ruas não ouviu mais os gritos dos seus fiéis clientes chamando pelas mães...não foi visto o azul e branco das vestes de Nossa Senhora de Lourdes, desfilando no corpo das pagadoras de promessas...

"Foi tudo tão diferente de antes da pandemia"

Aqui, acolá, uns pequenos e tímidos feixes de luz dos pisca-piscas anunciam a ida de mais um novembro que espera - se que não haja outro igual.

Que novembro que vem, haja vacina para os males que impediram seu brilho e que tudo seja como antes.

Iolanda Nogueira de Brito

27/11/2020

Fotos: Welligton Magalhães e Cristiane Veras.


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