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A Hora dos Lisos | por Pádua Marques

José Mentor Guilherme de Melo e sua família foram quase os últimos convidados a chegar ao Cassino 24 de Janeiro naquela noite de 25 de janeiro de 1925, na rua do Miranda, centro de Parnaíba. Muita gente no meio da noite nas imediações esperando pra ver a chegada das autoridades e convidados. E no meio desses garapeiros estavam os estudantes da União Caixeiral, ali perto, caixeiros e donos de lojas e armazéns, que haviam saído do serviço e estavam perambulando, curiosos vindos dos Tucuns, Bebedouro, dos Campos, embarcadiços e até mulheres da vida e desocupados do ali próximo porto Salgado. 

Algumas famílias com dinheiro na burra chegaram a trazer modistas de São Luiz pra fazerem os vestidos de suas filhas. Joias, calçados aos olhos da cara, coisa que ninguém havera de adivinhar preço! Alfaiates da Travessa da Glória, rua Grande e até de fora da Parnaíba trabalharam duro meses e nas semanas antes pra entregar encomendas de ternos pra aquela que seria a festa das festas, a mais rica e elegante da Parnaíba naquele ano de 1925, motivo de muita conversa de salão de barbeiro e nas portas do Moraes pra cima.

Festa que teria sido um ano antes, em 1924 na mesma data, 24 de janeiro, mas que devido ao rigoroso inverno que levou centenas de famílias dos Tucuns a perderem o pouco que tinham, a ficarem só com a roupa do corpo, foi adiada por ordem do intendente José Narciso da Rocha Filho. Parnaíba passava por muitas obras rasgando seus mais distantes lugares e já se via preocupação com a construção do Grupo Escolar Miranda Osório, do Ginásio Parnaibano, no final da rua Grande, perto da estação de trens, indo pra o Macacal. 

Mentor não estava muito preocupado com a situação dos alagados, pois já havia passado o pior. Estava ainda contando os prejuízos de ter perdido no porto Salgado, na confrontação com a igreja dos pretos, o vapor gaiola Barão de Uruçuí, da Companhia de Navegação a Vapor do Parnaíba e que agora por não ter sido retirado, estava formando um enorme banco de areia e prejudicando ainda mais a entrada de outras embarcações vindas da Tutoia no Maranhão. E falando em Tutoia no Maranhão, os parnaibanos liderados por José Pires Lima Rebelo brigavam pelo porto de Amarração. 

Mas era justamente o porto de Amarração que não estava dando certo a ponto da Norton Griffths, a firma inglesa contratada para as obras, depois de ter desembarcado todos os equipamentos, ter rescindido o contrato. Havia já entre os empresários da indústria e do comércio uma descrença com o novo presidente Artur Bernardes. Mas nas proximidades do porto Salgado, pras bandas da Coroa e dos Tucuns, o sentimento da festa dos importantes e ricos de Parnaíba no cassino era de muita desfeita pra com eles. Mas pobre era assim mesmo, era bicho pra trabalhar e não reclamar de nada.

Seis anos antes Parnaíba havia tido outro prejuízo com a teimosia de atracar embarcações no Piauí. O vapor Cubatão, do Lloyd Brasileiro, de 1808 toneladas, encalhou na barra de Amarração e isso deu motivos pra que a Capitania dos Portos do Piauí proibisse que este porto fosse utilizado pelos vapores que ali faziam escala. A estrada de ferro ainda não era coisa pra se contar de certo, mas era a menina dos olhos de Miguel Bacellar. Muitos homens trabalhando nesta abertura por onde seriam fincados os trilhos. 

Chegavam do Maranhão e agora até do Ceará. Centenas de trabalhadores fazendo as obras no ramal de linha até a margem da lagoa do Bebedouro até a fábrica do Cortês, no distante Igaraçu. Muita gente adoeceu de mordida de cobra, de febre, de coceira e todo encalombado. Gente que morreu ou ficou aleijada e acabou pedindo esmolas nas ruas ou esperando ser curada nos corredores da Santa Casa de Misericórdia. 

Mas voltando pra festa, os convidados continuavam a chegar com suas famílias em seus carros sem se importar com quem estivesse fora. Muita gente convidada vinda do Maranhão. Lá dentro era tudo do bom pra melhor. Bebidas e comidas finas, champanhe, uísque, vermute. Constantino de Moraes Correia, Merval Veras, Delbão Rodrigues, Nestor Gomes Veras e tantos outros, gente de dinheiro na burra e com influência política no Rio de Janeiro! E esses convidados estavam ali naquela festa de inauguração do Cassino 24 de Janeiro cheios de pompa, mas muitos já preocupados com a crise que estava se avizinhando. 

Do outro lado, nos Tucuns e na Coroa, os cabarés estavam cheios de marinheiros e embarcadiços ouvindo e dançando ao som da orquestra do negro Pedro Braga. Os comandantes de vapores estavam no cassino, convidados da diretoria. No novo clube da gente rica, promessa de ser um dos maiores símbolos da Parnaíba. Muita gente chegou a ficar endividada pra comprar roupa e calçado apenas pra assistir a chegada dos convidados do outro lado da rua, na calçada. E entre essa gente humilde se espalhou a noticia de que o presidente Artur Bernardes estaria entre os convidados. 

O intendente José Narciso da Rocha Filho havia dado ordens ao chefe de polícia de que não queria os bêbados, arruaceiros conhecidos e mal afamados ali do porto Salgado, raparigas, desocupados, jogadores de baralho e de dominó, estivadores e outros tipos sem presença, sujos e maltrapilhos, não passassem pra dentro da região onde estava o clube. Parnaíba estava naquela noite em festa, toda iluminada e não podia ser perturbada! E a festa com seu baile de gala, suas senhoras com os pescoços e os braços ornados de joias caras e até emprestadas, não podia ser perturbada.

Mas nos lugares como os Tucuns, onde morava a população pobre, os desvalidos, o tempo de chuvas havia deixado muita gente desabrigada há um ano. Casas de barro e cobertas de palha de carnaúba, crianças sujas, despidas, ruas com poças de lama e de lodo. Gente que passava a semana toda procurando algum refrigério na porta da Santa Casa de Misericórdia. E a maioria voltava de mãos abanando porque o hospital não tinha mais recursos pra atender todo mundo.

Mas a festa dos ricos lá da rua Grande terminou pela madrugada. José Narciso e a família saíram por volta das duas horas da madrugada e estava preocupado ainda com a situação do rio Igaraçu e sobre as obras de uma escola. Muita comida, bebida, música, perfumes, flores, discursos inflamados, vestidos e joias caras. Lá fora na rua muitos corubijando algum sinal de que pudessem entrar ou pelo menos ficar nas janelas do Cassino 24 de Janeiro. 

Mas mais longe, nas quebradas dos Tucuns e da Coroa, infestadas de marinheiros, ferreiros, caixeiros de lojas de miudezas, estivadores, toda sorte de gente pobre e com algum tostão no bolso, a música corria solta e a navalha era o limite de valentia. E no outro dia cedo quando tudo já era esquecido, a rua Grande mal acordada por alguns bêbados que se perderam no caminho de casa ou do serviço, indo na direção da alfândega no porto Salgado, o chefe de policia registrava apenas a prisão de dois embarcadiços e uma rapariga velha. Coisa de ciúmes.

(*) Pádua Marques, cadeira 24 da Academia Parnaibana de Letras é  jornalista, romancista e contista. 






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