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Mais uma tarde normal na vida do culumim raiz | por Welligton Magalhães



O relógio acaba de marcar 3 da tarde. O culumim pega a "bola de leite" que estava atrás da porta e começa a sair de fininho. Quando a mãe pensa em dizer que o sol ainda está quente, não tem mais nem o cheiro do culumim. Como se fosse um relógio biológico coletivo, todos os culumins da rua saem de fininho também e partem em direção ao terreno baldio que foi usado de geração em geração como o palco das maiores partidas de futebol de todos os tempos daquela rua. Campo esse que durante o inverno fica interditado pelos "matapartes". 

As vezes são dois, três culumins, as vezes são vinte, vai depender do tamanho da rua e da possibilidade de intrusos de outras ruas conseguirem participar. Uma observação importante: esses intrusos sempre causarão rivalidade.
Tudo pronto. A galera chegou, as traves novas de "mameleira" já foram instaladas. O racha pode começar. Não podemos perder tempo, já já dá 6 horas e é a hora do quebra. Começa o jogo e o sangue não demora a esquentar, já que o sol das 3 dá uma leve colaborada para esse aquecimento.

Lá pelas tantas, o jovem Palito, que pelo nome você já deve imaginar o porte físico, arranca e parte em direção ao gol, mas é interceptado por um carrinho com leve característica de "vuadeira razante" aplicado pelo defensor do time adversário: Brucilim (que ganhou esse apelido por ser levemente amarelado fã do Bruce Lee e tentar aplicar seus golpes em toda em qualquer oportunidade).

A "vuadeira razante" foi certeira e Palito com todos os seus 25 quilos não resistiu ao impacto e veio ao chão. Mas ele não ficou no chão por muito tempo. Levantou rapidamente e correu em direção ao Brucilim com os punhos cerrados em direção ao chão, ombros erguidos e ódio no olhar. 

No calor da raiva, Palito esbraveja a conhecida indagação: Tá doido, feladap*ta? 
Mais rápida que a reação do Palito foi a reação da turma em dizer: Éeeeeeegua, falou da tua mãe, Brucilim, vai deixar?
E como vocês sabem, não importa a situação, seja em um carrinho, num cupido dado de surpresa, ou em discussões em jogo de bila, falar da mãe é estritamente proibido e tratado como ofensa mortal.

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Brucilim, tomado por uma fúria incontrolável, retruca o questionamento de Palito: Feladap*ta é tu, seu Feladap*ta!
A turma então grita: Éeeeeegua, eu não deixava!
Pronto, depois disso não tem mais o que fazer. Não tem negociador que consiga apaziguar essa situação.
Palito e Brucilim se aproximam, ambos bufando, seus rostos ficam em uma distância de 15 centímetros, aquilo parece magnético. Eles começam a girar em torno do ódio que se instalou no local. Permanecem girando por uns 5 minutos. O tempo escurece e o sol some. Eles aguardam uma fagulha para iniciar a explosão.

Essa fagulha se chama Biro-biro, o moleque mais gaiato da turma, que se aproxima e diz que vai resolver a situação. Biro-biro afasta eles um pouco, como quem vai separar a briga. Mas não se anime, Biro-biro é funcionário do capiroto e está na terra para plantar a discórdia. Ele pede um espaço entre Palito e Brucilim, que estão frente a frente, levanta a mão na altura do rosto de ambos e fala algo que poderia ser entendido como uma forma de cessar a briga e resolver o impasse de outra forma: Vamos fazer assim, quem cuspir mais rápido aqui na minha mão salvou a sua mãe (ou então quem cuspir aqui vence, isso pode variar de rua em rua)
Quando Biro-biro termina de falar, o pior (e o esperado por ele) acontece: ambos cospem, Biro-biro retira a mão rapidamente e o cuspe de cada um encontra a cara do oponente. Está decretada a terceira guerra mundial.

Palito e Brucilim partem para as vias de fato e tombam no meio do capim seco. A poeira sobe e os culumins entoam o coro: BRIGA! BRIGA! BRIGA!
Nesse momento, até cachorro para ver o embate. É meio difícil saber quem está levando vantagem, já que a briga se resume a um rolamento sem fim, os culumins viram um empanado de areia.

É chegada a hora de desapregar os dois, para que o jogo continue. Se um dos dois não chorar e resolver apelar para o STM (Supremo Tribunal da Mãe), o futebol tem tudo para continuar.

Depois de um tempo, vemos que o destino é traiçoeiro. No entra e sai de time-foras, as equipes acabam se misturando e Palito e Brucilim caem no mesmo time, logo na última partida antes da "hora do quebra".
É aquela partida mais séria, onde apostam 1 real de picolé de ki-suco da tia da esquina ou simplesmente dizem: "quem ganhar essa é o melhor time da rua". Isso não importa para os deuses do futebol.

Lá no estouro do relógio, quando tudo caminha para um fatídico empate, Brucilim se aproxima do gol, vê Palito sozinho e não pensa duas vezes antes de assinar sua redenção, dando o passe para o gol do inimigo mortal de 30 minutos atrás. A galera vai a loucura. ACABOOOOOOOU, diria Galvão Bueno se visse a cena. No calor da emoção, Brucilim e Palito se abraçam na comemoração. Está selada a paz no universo.

A paz durou por muito tempo, até o dia seguinte, pra ser exato.

Essa foi mais uma tarde normal na vida de um culumim raiz!

Escrito por Welligton Magalhães

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